terça-feira, 20 de março de 2007

os monstros existem?

Como habitualmente nos contos de fadas o mal está do lado das pessoas e do lado dos adultos. Há uma ideia de bondade perdida que o mundo das coisas e das criaturas retém e que as crianças ainda conseguem ver. Na condição, claro, de jamais deixarem de ser crianças. No Labirinto do Fauno há um monstro de cada lado do espelho: uma coisa não humana com olhos nas mãos que come criancinhas e um humano com olhos na cara que mata criancinhas. Do lado dos humanos, o monstro é um capitão franquista sanguinário e sem coração, que coloca uma ideia de si próprio acima de tudo o resto. Um novelo de relações filiais mal resolvidas, travestidas de honra militar, de virilidade e da premência de um ideal fascista que justifica a morte (de que ele próprio é o instrumento) de inocentes, dos seus mais próximos, da sua própria mulher, da sua (quase) filha. O novelo consome-se e consome-o e acabará por levá-lo a uma inevitável (esperada) derrota, moral e de facto. Mas a questão mantém-se. Exceptuando os casos históricos, podemos alguma vez aceitar como real a existência deste tipo de pessoas, destes monstros superlativos de qualquer tipo de mal?





segunda-feira, 19 de março de 2007

relatório breve

A situação em casa: A gata está com o cio. O gato está capado. O que consegue resumir a situação.

sábado, 17 de março de 2007

reflexos de um sábado a tarde

Este foi, provavelmente, o primeiro grande sábado quente do ano, com esplanada e caminhada incluídas e bom tempo suficiente para mangas curtas, chás gelados e pastelinhos picados pela cidade. A feira da ladra estava como habitualmente, cheia de lixo e das habituais máfias, tráficos pequenos e notórios, outros talvez não tanto, os polícias, as lojas de artigos militares, ferrugens com máquinas fotográficas e de escrever lá dentro, intermináveis montes de objectos baços, roídos, moídos, dobrados, usados, cansados. Mas há sempre olhos com vontade de encontrar por lá aquele objecto que faz ganhar o passeio. Claro que muitas vezes é a companhia que o faz ganhar.

@ estupendo

sexta-feira, 16 de março de 2007

curry vice

-… a Índia faz-me lembrar a merda a boiar no Ganges…

- Deixa-te disso, nunca ninguém viu A MERDA a boiar no Ganges.

- Não sei, se não se vê pelo menos infere-se…aquela água castanha, tanta gente… é impossível não estar lá. Será que a merda fica sagrada quanto é banhada no Ganges?

(sorriso) – Eles têm uma relação mais desempoeirada com os seus próprios dejectos. Todo o Ganges é sagrado e tudo aquilo que ele contém. A merda será tão benzida quanto tudo o resto se for banhada naquelas águas. É o contexto que conta. Ou achas que se – digamos – a deixares cair numa pia de água benta a água ganha uma natureza profana?

- Cristo! A imagem…

- Pelo menos em Nova Iorque a merda será sempre merda. Isto se não estiver à vista…

- Claro que tens sempre as manequins de 16 anos… já não produzem.

- Sim, mas continuo sem perceber, merda à parte, como queres fazer um filme de Bollywood, realizado por ocidentais, em Manhattan. Um pé em Shiva e outro à frente!...

-Oui. Acho a ideia completamente nova. Aliás, só os paquistaneses e indianos que conduzem táxis na cidade chegariam para viabilizar o filme.

- Querias…

- Ouve lá, os indianos deixam de comer chamuças quando chegam ao Martim Moniz?

- Estás a fazer-te à citação…

@ estupendo

quinta-feira, 15 de março de 2007

diálogo para um filme americano daqueles de sundance

- O gajo é um totó, ouve o que te digo. Apetece-me mandá-lo à merda.
- Toto era o cão da Judy Garland. Levou-o o vento, acho, não passou da fase do tornado, o sortudo... disse à Sophie que te chamei kota porque vais ser tia.
- tu não me digas que também escreves com o k... fico doente...
- Não. kota e pk. Mais nada. Em contrapartida, mando montes de quisses, para compensar.
- Agora disfarça...
- Vou roubar partes deste diálogo para escrever um merdelim para o blog.

quarta-feira, 14 de março de 2007

proposta de comentário

Junto foto tirada no restaurante tibetano. Não achaste estranho que num restaurante tibetano não haja leite azedo de iaque e outros alimentos desses? Os iaques cospem na cara das pessoas (ou serão os lamas os burros cuspidores?), vi uma vez num canal da TV Cabo. Talvez usem a saliva desses animais para produzir uma bebida alcoólica típica. Comemos um prato de couscous com umas beringelas insípidas, mas de resto nada me pareceu insípido, antes pelo contrário. - Acho que está bom, dizes. Naquele restaurante parece que as pessoas têm vergonha de mostrarem stress. Ou de falarem alto. Há uma frequência bloqueadora de emoções no ar. Só os monges mais treinados conseguem ouvir o zumbido. -Lá em baixo deve ser óptimo estar-se, com sol. Sorris. Eu continuo sem fixar os olhares durante muito tempo. Mas há momentos que se vão congelando na prateleira das polaroids que temos na cabeça. Atrás de ti, sentada, junto à parede, uma mulher jovem olha para mim repetidamente. Será que a conheço? Isto acontece-me todos os dias, junta-se a incapacidade para decorar rostos com a miopia. Deixo que os olhos não a foquem e defendo-me dessa maneira. Não a vejo vendo-a. Será que te conhece? Ao nosso lado, virada para nós, uma mulher de 50 anos, pesada, regista-nos sem o mostrar. Acho sempre que o fazem quando nunca me olham e sobretudo quando nunca reagem a um movimento meu. É difícil ignorarmos alguém e, por isso, quando o parecemos fazer é provável não o estarmos a fazer. Deve ter sido bonita, a mulher. Ainda é, tem um mundo atrás dos olhos. E para ver isso não preciso de ter boa visão. Depois, uns dias depois, vou tentar escrever sobre este almoço. Eis a tentativa. O resto fica para mais tarde.
@ estupendo

domingo, 11 de março de 2007

this is just to say

I have eaten
the plums
that were in
the icebox

and which
you were probably
saving
for breakfast

Forgive me
they were delicious
so sweet
and so cold


William Carlos Williams

Alegria, Alegria

Seis meses e mais um bocado depois volta a pirotecnia, versão 2.0, em clima de

Alegria, Alegria
(Caetano Veloso)

Caminhando contra o vento
Sem lenço, sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou

O sol se reparte em crimes,
Espaçonaves, guerrilhas
Em cardinales bonitas
Eu vou

Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes, pernas, bandeiras
Bomba e brigitte bardot
O sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia
Eu vou

Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Eu vou
Por que não, por que não

Ela pensa em casamento
E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço, sem documento,
Eu vou

Eu tomo uma coca-cola
Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou

Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Sem fome sem telefone
No coração do brasil

Ela nem sabe até pensei
Em cantar na televisão
O sol é tão bonito
Eu vou
Sem lenço, sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo, amor
Eu vou
Por que não, por que não...

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